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O poder da educação para a formação de boas pessoas
A educação é levada a sério por pais responsáveis e que desejam um bom desenvolvimento de seus filhos. Assim, quando recebo pais pela primeira vez na escola, e faço isso há 40 anos, sempre pergunto a mesma coisa, e queria aproveitar e fazer a vocês essa mesma pergunta:
Você sabe por que traz seu filho à escola?
É por que tem que trabalhar? Será que pintou um sentimento de culpa por deixar sua criança pequena com outros? Você escolheu isso por ter avaliado que a escola traz benefícios às crianças?
Através do tempo as respostas vão mudando e hoje, muitas vezes, os pais querem que a escola os substitua, pois estão muito envolvidos com suas carreiras. Será isso possível? Infelizmente não…
A escola nunca substituirá a presença dos pais. Cada um tem seu papel na educação das crianças.
Quantos de vocês têm filhos? Vocês se perguntaram qual é o papel da escola? E qual é seu papel na educação das suas crianças? Quantos de vocês se perguntaram se estavam escolhendo uma escola para educar seus filhos ou uma escola para complementar a educação que vocês estão dando a eles? E como saber isso?
Afinal, o que é educar as crianças?
Ainda hoje, para muitas famílias, educar as crianças é prepará-las para o vestibular, para o mercado de trabalho, para a vida, para serem felizes… Mas… Quanto tempo vai durar o vestibular? Que empregos serão esses? E qual será essa realidade? Que felicidade será essa?
Quem já pensou que talvez educar as crianças seja apenas ajudá-las a se construírem como boas pessoas? Quando falo em boas pessoas, quero dizer éticas, solidárias, que sabem respeitar a si próprias, ao outro, ao ambiente — são responsáveis. São responsáveis consigo próprias e só isso já as faz competentes.
Boas pessoas, por serem colaboradoras, desenvolvem a criatividade; afinal, estão sempre buscando uma forma de ajudar a solucionar problemas. Encontrar as “saídas” também as faz pró-ativas.
Mas ninguém se torna uma boa pessoa no Ensino Médio ou na universidade se não viveu isso na infância, se não construiu esses modelos em seu repertório. Por isso, a escolha que vocês pais fazem sobre a escola de seus filhos é importante. A família e a escola em cooperação que vão tornar seu filho uma boa pessoa, um cidadão, um cidadão do mundo.
Sempre são nossas escolhas que conduzem a vida!
Crianças precisam ser cuidadas desde pequenas, e são nossas escolhas, as dos adultos, que determinam esses cuidados. Para os pais, as escolhas começam quando resolvem ter um filho, ou mesmo quando são surpreendidos com a chegada de um bebê… Às vezes, isso também acontece… Tantos sonhos, tantos receios, tantos caminhos para escolher, tantas decisões, quanto para aprender…
Para a escola, o começo é a escolha do modelo de educação que vai nortear suas ações: metodologia, as boas práticas que serão implementadas e vividas naquele ambiente.
As crianças vão começar a se construir como pessoas do bem com as escolhas dos adultos, com as escolhas que vocês, pais, e nós, escolas, fizemos e faremos a cada dia. Você já pensou nisso? Já dimensionou o tamanho da sua responsabilidade?
Quando comecei minha vida na educação eu queria cuidar das crianças. Mas, aos poucos, fui entendendo que, para educar as crianças, primeiro eu precisava educar a mim mesma, colocar-me no papel natural do adulto da minha espécie, a espécie humana, na função de apresentar o mundo às crianças pequenas.
Como todo ser vivo do reino animal, os humanos não escapam à regra e os adultos devem cuidar dos seres jovens da sua espécie… Cuidar de um ser jovem da espécie: você já pensou sobre o assunto?
Se a meta da educação é a formação do cidadão do mundo, é preciso que as crianças pequenas vivenciem isso ao longo da infância. A escola e a casa precisam ser espaços dessa aprendizagem.
Eu trabalho há mais de quarenta anos numa escola em que as crianças têm suas responsabilidades desde pequenas, escolhem suas atividades, exercitam a colaboração e a solidariedade, desenvolvem a autonomia e o respeito — uma Escola Montessori, a Aldeia Montessori! E tudo isso é possível por meio das escolhas dos adultos.
Pode parecer que dá muito mais trabalho se pensarmos em educação “por atacado”, seguindo uma receita pronta para todos. Para cuidar das crianças como elas precisam, temos que disponibilizar opções, alternativas…
Devemos preparar os ambientes de nossa casa e da escola para as escolhas das crianças, com alternativas que nutram sua curiosidade, que assegurem sua segurança.
Assim, as crianças que ainda estão aprendendo a fazer suas próprias escolhas vão desenvolver e se apropriar de um senso crítico ao longo do tempo, elas vão se construindo como pessoas críticas, íntegras, ativas, que aceitam e respeitam as diferenças; por isso, tornam-se muito mais potentes.
Já os adultos precisam se preparar para oferecer essas oportunidades, a fim de propiciar às crianças a vivência de toda essa maravilhosa experiência de construírem a vida, suas próprias vidas, vivendo-a!
Precisam cuidar dos modelos de pessoas que vão oferecer às crianças, pois elas aprendem com o que veem… Por exemplo, sabe quando você é impulsivo e grosseiro e vê seu filho fazendo o mesmo? São os “neurônios espelho” funcionando, pois eles estão a todo o vapor na primeira infância.
É comum, na chegada do bebê, os pais se preocuparem com a organização do seu quartinho, escolherem o uso da cama compartilhada ou outras coisas tão em voga. Mas aquele pequeno ser vai ocupar a casa inteira…
E aí? Nos primeiros meses de vida, não é só de leite materno que vive o bebê. Ele absorve o mundo pelos sentidos…
Imagens, sons, cheiros, texturas: tudo tem um significado intenso na formação desse serzinho. E essas sensações estão por toda a casa — não só no quarto do bebê, extremamente planejado e imaculado.
Às vezes, nossa ansiedade e desejo nos leva a exagerar nesse cuidado e acabamos criando quartos superdecorados… Mas tantos estímulos acabam deixando as crianças agitadas! Quartos ao gosto dos adultos muitas vezes, mas não de acordo com as necessidades das crianças.
São os pais que apresentam o mundo pela primeira vez às crianças: qual é o mundo que você quer apresentar ou já está apresentando ao seu filho? Preparar a casa para receber a criança e adaptá-la à medida que ela cresce é promover a inclusão de seu filho em sua família.
É isso que vai favorecer suas ações na comunidade familiar, vai poder ter pequenas responsabilidades, vai poder satisfazer suas necessidades básicas, vai poder fazer escolhas, vai poder ser colaborador. Aí nasce a responsabilidade social do futuro cidadão do mundo, aí nasce uma educação cidadã!
Nasce dos valores humanos que vivem em cada família e quando são estendidos pela escola que você escolhe.
Como a escola é um espaço coletivo que coeduca ou coopera na educação, a escola que você escolhe para seu filho precisa caminhar na mesma direção que você escolheu…
Minha opção sempre foi que a escola que dirijo seja uma escola cidadã. Nas escolas em que trabalhei — e olha que já estou educadora há 53 anos! —, os primeiros 11 anos foram em escolas da rede pública. E os últimos 42 anos, por uma oportunidade da vida, numa escola Montessori.
Em ambas, sempre houve espaço para vivenciar valores éticos universais, e cada vez mais tenho a certeza de que eles são a base para o sucesso de qualquer empreitada na educação de seres humanos, realmente humanos.
Em 2016, visitei a Finlândia, tão na moda por seu sistema educacional de sucesso… E o que encontrei como base para o tão admirado sistema educacional foi o investimento maciço na formação do caráter. Claro que as escolas são maravilhosas, mas o que as sustenta, então, é o investimento na formação do caráter, um programa que fomenta o cultivo das virtudes humanas – na colaboração, na responsabilidade, na compaixão, na bondade, na solidariedade.
O que vi foram escolas cidadãs e cuidados com as crianças, que a cada etapa de seu desenvolvimento recebiam a ajuda necessária para formar hábitos e atitudes cidadãs.
E não é o dinheiro que faz isso, são nossas escolhas e nossos valores. Nossas escolhas e valores são o verdadeiro legado que deixamos para nossas crianças.
Márcia Righetti é educadora, fundadora e diretora pedagógica da Aldeia Montessori e do Centro de Estudos Montessori do Rio de Janeiro, coach em Formação Montessori, especialista Montessori pela ABEM, Seton Montessori Institute (Chicago/EUA), CEM – Chile.