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25 de maio 2014

Ambiente que ensina: saiba mais sobre a vivência montessoriana

 Já faz tempo, um dia veio escrito, numa caderneta, um relato de um menininho de uma de nossas classes. Era o relato da conversa que tivera com a mãe ao chegar em casa. Esta, interessada com o que fazia o filho no ambiente escolar, queria sempre saber o que ele havia aprendido…

– Filho, diz a mãe, o que foi que a sua professora ensinou hoje na escola?

E ele, muito seguro e feliz responde:

– Ô, mãe! Você ainda não sabe que na minha escola não é a professora que ensina, é a “sala”!

Aquele menininho havia captado a essência de um ambiente que ensina, onde a figura do professor é aquela do que “faz o meio de campo”, mostrando como se usa um ou outro material apontando novos caminhos; mas ele teve consciência que era com  cada material que  fazia descobertas e aprendia, e como eram tantos resumiu-os numa palavra: a sala.
Nunca esqueci esta fala, vinda da natureza espontânea da criança, para tornar claro para a mãe uma coisa que ele sentia e vivia sem dúvidas.

Para pais, que sem a vivência montessoriana formam padrões escolares a partir de suas próprias experiências nas escolas ortodoxas; a simplicidade da descoberta do menininho é uma conquista que custa a chegar, na maioria das vezes.

Como entender e acreditar neste trabalho maravilhoso que a criança desenvolve com os materiais montessorianos, se ele não segue nos parâmetros conhecidos? Escola é lugar de escrever, de registrar no papel… Será isto verdade absoluta?

Eu acredito que escola é lugar de construir na mente possibilidades para resolver questões, que nem sempre estão nos papéis. Ou melhor, na maioria das vezes estão nas situações que vivemos, com coisas que fazemos, na vida.

Escola deve ser o lugar em que exercitamos melhores condições para viver a vida!

O material criado por Montessori tem papel significativo em sua proposta pedagógica, pois pressupõem a descoberta e assimilação de conceitos através da manipulação de objetos especialmente preparados para esta finalidade.

Eles estão em cada ambiente,  dispostos numa ordem que serve de guia natural para a criança. Não são um caminho definido, mas uma estrada que permite muitas derivações…

A criança usa o material individualmente ou em grupo, à medida de suas necessidades e possibilidades. Os professores são auxiliares de aprendizagem. Eles mostram à criança onde encontram o material, como podem começar a utilizá-lo e como guardá-lo após o uso.

É no trabalho com cada material que escolhe que reside um dos segredos do sucesso. Quando a criança escolhe o que tem vontade de conhecer, sua curiosidade natural é aguçada e nutrida. São inicialmente estes aspectos que evocam a concentração; que vai se instalando, para que gradativamente possa realizar trabalhos maiores e maiores e maiores…

A livre escolha das atividades pela criança é um aspecto fundamental para que exista a concentração e para que a atividade seja formadora e criativa.

A manipulação dos materiais vai de encontro a necessidade natural de movimento que têm as crianças.

Materiais de desenvolvimento são tão especiais que permitem que as crianças o utilizem por vários anos e continuem a fazer descobertas.

Todos certamente conhecem ou já ouviram falar da Torre Rosa e ela será o nosso ponto de partida para o caminho que queremos percorrer.

A Torre Rosa é um material de desenvolvimento que serve a educação dos sentidos; mais especificamente à educação do sentido visual quanto às dimensões.

Sua primeira apresentação ocorre geralmente, por volta de 2 anos, 2 anos e meio, depois de se exercitar com um material anterior na habilidade de empilhar cubos. A apresentação à criança pode ocorrer pela professora ou por um amiguinho mais velho.

Então a criança pequena vai aprendendo a empilhar os cubos numa ordem de tamanho, percebendo diferenças e semelhanças no próprio material. Quando não o faz corretamente, isto é o controle do erro, ninguém precisa falar nada. O material fala! E se a criança não percebe o erro, é ainda não está suficientemente madura para percebê-lo.

Assim, ela vai perceber que os cubos podem ser empilhados, postos lado a lado, usa a gradação de tamanhos  do maior para o menor, do menor para o menor, compara o cubo maior com o menor, aprende a nomenclatura grande e pequeno, maior que, menor que… Descobre que os cubos variam entre si na mesma medida. Que passa o cubinho do um na lateral de cada outro, quando feita a torre pela aresta… E experimenta possibilidades geométricas e matemáticas que sua mente absorvente vai  registrando até formar conceitos… A mente é absorvente até por volta dos 6 anos.

É assim que acontece com cada material, cada um dele “diz” uma coisa, que se junta a de outro… A de outro…  A de outro, até compreender as coisas do mundo.

O papel do professor é dar lições de nomenclatura, pois linguagem é coisa a cultura que passa de uma geração para outra, estar atento par instigar para novos caminhos, estendo a mão e criando pontes…

– Este é o grande! Este é o pequeno!

– Aqui temos o um, este outro é o mil!

– Isto é a aresta!

– Isto é o vértice!

E por aí vai….

E depois?

Quando o menininho cresce, crescem suas possibilidades de escolher e fazer seu trabalho com os materiais de desenvolvimento na classe Montessori, pois ele já desenvolveu uma série de habilidades que facilitam sua autonomia na escola. Mas se chega novo numa escola Montessori, aos  pouco também se adapta, se respeitarmos seu tempo e permitirmos suas descobertas.

Nesse sentido, é preciso que nos lembremos que a habilidade que desenvolveu foi a de seguir o mestre e agora vai ter a oportunidade de descobrir que tem um mestre interior, aos poucos vai desabrochar e é interessante observar seu percurso: primeiro atua observando o movimento da classe; depois como uma abelha a procura do néctar, vai de um material para outro sem manter a concentração – são tantas as possibilidades… E vai, gradativamente aprendendo a transitar pela livre escolha.

Do mesmo modo geralmente mostra-se maravilhado com as descobertas que pode fazer e se respeitamos seu tempo, segue em frente na construção de saberes e habilidades que o deixam cada vez mais feliz.

Numa classe de Ensino Fundamental a livre escolha tem outro desafio, todos precisam formar valores novos: há coisas que podemos escolher e há coisas que precisamos escolher, então é preciso estar atento para transitar por todas as áreas e mais uma vez emerge a atuação precisa da professora, provocando a reflexão sobre a vontade e a responsabilidade: nem sempre podemos fazer tudo o que temos vontade, mas sempre precisamos ter compromisso para levar a termo nossas responsabilidades.

E na sala, lá estão eles: os materiais de desenvolvimento, que levam pela mão cada criança para novas descobertas…

– Onde está a Torre Rosa? Ela bem que poderia estar aqui…

– Mas ela bem que está, sim! Olha o cubinho do um e o cubo do mil no Material Dourado.

– Ah! Mas eles já estavam na minha outra classe. Isto eu não fazia quando era da classe dos pequenos, agora sei dividir!

– Vamos brincar de Banco!

– Olha aqui o tabuleiro da centena!

– Nesta sala ela se chama Crivo, ele ensina os números primos e os números múltiplos, quer aprender?

– Pra que servem tantos cartõezinhos coloridos?

– Pra você aprender a escrever muito direitinho, você pode escolher uma cestinha com cartõezinhos azuis e juntar as palavras com as figuras, depois você pode copiar as palavras.

– No outro dia, pode formar frases com as palavras.

– No outro dia, pode separar as sílabas.

Nos outros dias, pode dar o plural, separar os substantivos femininos dos masculinos, colocar os artigos definidos ou indefinidos que combinem, atribuir adjetivos, classificar quanto ao número… e assim, a criança se desenvolve.

Material montessoriano de desenvolvimento é um “brinquedo” muito sério – é o instrumento de trabalho da criança na classe e é através dele que a criança aprende. Assim, um jogo, no qual as regras precisam ser bem estruturadas por professores capacitados capazes de fazer intervenções; leva a criança a usar cada vez mais o seu potencial.

Esse é o segredo: é a sala que ensina!

Desse modo, a sala tem tudo na medida para cada criança aprender o que quiser e o que precisa!

Por Marcia Righetti, diretora do projeto pedagógico da Aldeia Montessori e do Centro de Estudos Montessori do Rio de Janeiro, estuda sobre o Sistema Montessori desde 1978, especializou-se no Curso Internacional OMB- Seton Montessori Insitute, integra a comissão científica da Organização Montessori do Brasil, da qual  a Aldeia Montessori é uma das Sócias Fundadoras. Aprendente a cada dia...