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O tempo das crianças: estimulando criatividade com equilíbrio
Uma escolha entre uma profusão de estímulos e a necessidade do ócio de criatividade.
Crianças são pura energia e, para muitos pais, é preciso mantê-las ocupadas. Então, quando conversamos com elas, é comum comprovarmos a extensa lista de “obrigações” que possuem desde muito pequenas: futebol, capoeira, natação, balé, sapateado, inglês, kumon e assim por diante.
Alguns pais dizem que seus filhos parecem “ligados na tomada” e que só param na hora de dormir. Não é sem motivo que todos os pais se sentem exaustos com seus filhos. Isso porque depois de um dia com tantos afazeres, parece que é normal as crianças continuarem “ligadas”.
Uns pensam: “Quanto mais atividades, melhor”, porque assim a criança chega ao fim do dia cansada e isso facilitaria o sono, permitindo que eles também possam descansar.
Outros entendem que mais atividades representariam mais estímulos e desenvolveriam melhor o potencial da criança.
No entanto, pesquisa recente de Teresa Belton, da Universidade East Anglia, na Grã-Bretanha, sobre a expectativa cultural de que as crianças estejam sempre ativas, conclui que excesso de estímulo pode minar o desenvolvimento da imaginação delas. Teresa ouviu várias personalidades que têm na criatividade a base de seu sucesso, como a escritora Meera Syal e o artista plástico Grayson Perry, sobre como o ócio os ajudou a desenvolver sua criatividade na infância.
Mas o caminho do equilíbrio é, sem dúvida, a melhor opção em cada momento da vida. Todas as nossas escolhas extremas tendem a nos levar a um desgaste físico ou emocional que pode nos fragilizar.
Para os gregos, “schoé” foi o nome atribuído ao ócio, os momentos livres de lazer que estão incluídos entre as necessidades básicas do homem. São nesses momentos preciosos que, com a mente livre, aprendemos coisas novas, refletimos sobre nossas vivências, “arrumamos a cabeça”… E por isso, essas oportunidades de escolha também deveriam ser dadas às crianças!
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“Para o bem da criatividade, talvez devamos diminuir nosso ritmo e ficar ‘off-line’ de tempos em tempos.” – Teresa Belton, pesquisadora
A neurocientista e especialista em deterioração do ritmo das crianças e da mente, Suzan Greenfield, que também respondeu a questões para a pesquisa de Belton, relembrou a infância em uma família com muito pouco dinheiro e sem irmãos até os 13 anos de idade.
“Ela confortavelmente divertia a si mesma, inventando histórias, desenhando figuras para suas fantasias e indo até a biblioteca”, disse Belton.
Ainda de acordo com Belton, que também é especialista no impacto das emoções no comportamento e aprendizado, o tédio pode ser um “sentimento desconfortável”. Para ela, a sociedade “desenvolveu uma expectativa de ser constantemente ocupada e estimulada”.
Ela ainda adverte que a criatividade “envolve ser capaz de desenvolver um estímulo interno”.
“A natureza estimula um vácuo que tentamos preencher”, disse ela. Alguns jovens não desenvolvem a capacidade interior ou a resposta para lidar com o ócio criativamente. Às vezes eles terminam agindo com atos de vandalismo ou buscando emoções arriscadas.
Belton, que também já estudou o impacto da televisão e vídeos na escrita das crianças, afirma ainda que “quando os pequenos não têm nada para fazer, eles imediatamente ligam a TV, o computador, o celular ou algum tipo de aparelho com tela”. O tempo gasto com essas coisas aumentou.
“Mas crianças precisam ter um tempo para parar e pensar, imaginando que possuem seus próprios processos de pensamento e assimilação, por meio de experiências com brincadeiras ou apenas observando o mundo ao seu redor. Esse é o tipo de coisa que estimula a imaginação, ressalta a pesquisadora, enquanto a tela de alguns aparelhos ‘tende a criar um curto-circuito no processo de desenvolvimento da capacidade criativa’”.
Syal, a escritora, diz: “Nós começamos a escrever porque não há nada para provar, nada a perder e nenhuma outra coisa para fazer. É muito libertador ser criativo por nenhuma outra razão além do próprio prazer”.
Quanto à necessidade e importância de atividades no dia a dia das crianças no mundo moderno, são poucas as que vivem em casa com quintal, que podem ficar em casa durante a semana após as atividades escolares com os pais: elas geralmente têm um programa a cumprir, mesmo após a saída da escola…
Coisas do mundo moderno, nas quais os seres humanos vêm se adaptando e buscando formas equilibradas para viver os novos tempos.
O que observamos muitas vezes é que os efeitos de várias atividades são exatamente o contrário do que buscam os pais e em vez de “cansar as crianças” envolvendo-as em atividades, gastando as energias, elas ficam mais aceleradas.
Eu gosto muito de conversar com as crianças e escutá-las, e o que tenho percebido é certa tristeza ao perguntar a elas: “Quando vocês brincam?”.
“Nos finais de semana”, dizem umas.
“Na escola”, dizem outras…
“Nas férias…”
Já foi o tempo em que a infância era o tempo das brincadeiras, do ócio criativo, de estar na companhia do outro conversando simplesmente…
Eu sempre preciso de um “tempo comigo”, o tempo de pensar e botar a cabeça em ordem, de escrever, de criar…
E sei que as crianças também precisam, pois foi na minha infância que aprendi tudo isso…
Ao planejarem as atividades de seus filhos, considerem um tempo para não fazerem nada. Um tempo ocioso onde, deixados livres, pouco a pouco farão descobertas, farão o que quiserem — sem os eletrônicos, é claro! (Mas isso vai ser falado em outra conversa…)
Deixe livros, lápis de cor, blocos de montar e outras coisas que você sabe que agradam seu filho para ele encontrar e se encontrar…
Para escolherem o que quiserem, terão que ousar e criar. E sem nossa ajuda, o que demanda exercício de livre escolha, desenvolvimento do senso crítico e da responsabilidade e muitos combinados. É isso que vai determinar o que é para ser feito, quais as brincadeiras possíveis — elas terão um tempo para a reflexão criativa.
O tempo sem fazer nada é onde tudo acontece!
É onde a noção de liberdade se expressa com intensidade e as descobertas de limites e responsabilidade também vão acontecer; então, aprendemos a conviver!
Que pais não desejam que seus filhos sejam adultos livres, autônomos, criativos e independentes? Que pais não desejam isso para seus filhos?
Não fazer nada é o tempo onde, por meio da criatividade, se constrói a autoestima, a noção de capacidade e competência, a responsabilidade pelas escolhas, a segurança em si. Controlar o tempo todo só gera desejo de liberdade e, quando ela acontece, nem sempre as crianças sabem usá- -la.
Hoje, em um mundo onde fazer é fundamental, não sobra tempo para ser! No cotidiano de seus filhos, deixem um tempo para que não façam nada e possam ser pessoas felizes, com mais equilíbrio e menos tensão.
Na agenda de vocês, deixem um tempo para “lerem crianças”, observarem os filhos crescendo, sem, obrigatoriamente, terem que fazer algo, o tempo todo. Tenho certeza de que as descobertas serão gratificantes…
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Por Marcia Righetti, fundadora do projeto pedagógico da Aldeia Montessori e do Centro de Estudos Montessori do Rio de Janeiro.
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